3 de fev. de 2011

Ainda um Rebelde, Sempre Um Exemplo: Ney Matogrosso

Uma entrevista com este cara que, se não fosse meu ídolo passaria agora a ser. E se não fosse meu ídolo, chamaria de minha alma gêmea,  por coisas comuns como, a sorte de estar vivo, o prazer de ser autêntico (por favor não confundir com maleducação), o apreço pela verdade com desdobramento em um compromisso intimo e pessoal com o ato de de ser verdadeiro falando a verdade. A gente combina em muita coisa, mas ele é mito e eu fã. Ele é astro e eu platéia e não recebi da vida o privilégio da gnética a ele concedido... Sem problemas, ser contemporânea já basta!
Com vocês o "Ainda um  rebelde" Ney Matogrosso:
"Ele enganou a ditadura, a AIDS e as previsões que condenavam sua voz e sua saúde. Às portas dos 70 anos, Ney Matogrosso ainda incomoda muita gente.
Se há um homem que sabe driblar as ameaças, Ney Matogrosso é o cara. 
Quando decidiu rasgar o manual dos bons modos nos anos 70 para atiçar a libido de sua plateia em palcos vigiados por militares, recebeu cartinhas da ditadura dizendo que sua batata estava assando. Escapou ileso. 
Quando a AIDS chegou, nos 80, era um amante de homens e mulheres com zero grau de fidelidade. Infectados pela maldita, muitos de seus parceiros tombaram. Ney não. 
A voz, disseram que não passaria dos 40. Da elasticidade, com sorte, sobraria algo aos 50. E Ney, então, chega aos 70 livre das maldições. 
Sua lista para 2011 não é de quem programa a aposentadoria: 
1) A estreia de Luz nas Trevas - A Volta do Bandido da Luz Vermelha, filme que tem Ney no papel principal. 
2) A conclusão do documentário Olho Nu, que vai recompor a vida do artista desde sua infância, em Mato Grosso do Sul. 
3) O lançamento do CD e DVD Beijo Bandido ao Vivo, espetáculo que o artista faz em São Paulo de 18 a 20 de fevereiro. 
4) A estreia em São Paulo do monólogo Dentro da Noite, que ele dirige.
5) A gestação de um novo CD, que deve chocar pelo repertório, como o próprio Ney diz (leia mais abaixo). 

Em seu apartamento, no Leblon, Ney recebeu o Estado para falar sobre os armários da alma que ajudou a abrir desde que decidiu fazer algo elementar na teoria mas tão duro na prática: dizer nada mais além da verdade.

Você é um sobrevivente?

(Pensa) Sou sim. Creio que sim. Eu poderia ter ido naquela leva de AIDS (dos anos 80) mas não fui, perdi mais da metade dos meus amigos e por que eu não fui? Não entendi. Perguntei para vários médicos e nenhum me deu uma explicação.

Talvez porque você se precavia mais do que eles?

Não, não havia CAMISINHA e eu era tão infiel quanto os outros. Estamos falando dos anos 70, quando estava tudo liberado. Agora, claro que a partir do momento em que fiz o primeiro teste para saber se eu tinha AIDS - e eu tinha certeza de que estava infectado - e vi que não estava, passei a usar CAMISINHA.

Curioso como as pessoas se assustam ao saber que você fará 70 anos (em 1º de agosto).

Quando eu comecei a cantar me diziam que com 40 anos eu não teria mais voz porque eu forçava muito. E eu acho minha voz hoje, aos 69, melhor do que era. Mas não penso em fazer nenhuma comemoração. Eu não gosto de tributo, homenagem. Não me sinto bem com isso...

Não é uma contradição o homem que faz o que faz no palco não gostar de festa?

Não acho contraditório, não. 
Mas da forma como você apareceu nos anos 70.... 

Era preciso. Era o auge de uma ditadura assassina, era preciso ser agressivo e ousado. E eu tive coragem de enfrentar aquela barra que não era mole. Eles (os militares) podiam mandar matar, jogar do avião em qualquer lugar. Se não fizesse aquilo, não estaria sendo verdadeiro.

E sentiu que estava no limite da paciência dos militares?

Eu recebi recados de que estava no limite, de que estava me excedendo. Quanto mais era ameaçado, mais eu me excedia.

O que o salvou?

Não sei, o meu destino era estar aqui. Eu não fui torturado porque não tinha envolvimento político. Eu defendia os direitos de expressão. Não estava preocupado com quem era o ditador da hora. Quando fui dar minha primeira entrevista, fiquei aflito pensando "o que eu vou falar?" Aí me veio uma voz: "Diga a verdade." E eu disse. Quando me perguntavam sobre sexo eu respondia tudo. Aí, quando eu ia ler no jornal, em vez de sexo estava escrito amor. "No amor, ele é liberal..." Mas eu não tinha falado de amor, tinha falado de sexo. Eu não tenho necessidade de expor minha vida íntima, quem vai para a cama comigo, isso não interessa e você jamais viu meu nome envolvido nesse tipo de coisa. Agora quem eu sou, o que eu penso, eu falo e vou falar até não ter mais boca. Eu sou um rebelde, fazer o quê?

Essa lucidez toda, essa correção... Será que é isso o que as pessoas que o viam no palco nos anos 70 esperavam de você?

Mas sempre esperaram outro Ney, desde os Secos & Molhados. As pessoas passavam pelo camarim e nem me viam. O palco era o lugar de exposição, fora de lá, não. Não quero carregar aquilo comigo. As pessoas que fazem isso acabam virando uma caricatura.

Você serviu na Aeronáutica?

Eu queria sair de casa, não suportava viver lá aos 17 anos.

E por que isso?

Eu não suportava viver debaixo do tacão militar de meu pai. Eu me alistei na Aeronáutica (em Mato Grosso do Sul) e, sem avisar minha família, pedi transferência para o Rio. Aí meu pai disse que não, mas era tarde, ele não podia me impedir...

E você já havia assumido sua homossexualidade antes do serviço militar?

Não. Na adolescência eu sentia uma certa atração que eu temia loucamente. O que eu via sobre isso na minha cidade, Bela Vista, em Mato Grosso do Sul, a única informação que eu tinha era a imagem de um camarada HOMOSSEXUAL que passava pela rua e a rua toda vaiava. Isso era a única coisa que eu sabia sobre esse assunto. E vim para o Rio aos 17 anos com uma turma de 40 adolescentes como eu, hormônios voando pelas orelhas, e claro que... Eu não realizei não, mas entre eu e um colega houve algo que nos deixou ligados.

E você querendo se livrar daquele sentimento...

Eu pedia a Deus para me matar mas não me deixar ser aquele rapaz que eu vi em Bela Vista. Até que uma noite, quando estava na Aeronáutica, levantei e dei de cara com dois remadores másculos, um sentando em um beiral e o outro de pé, abraçado a ele. E eu percebi que era uma coisa que estava acontecendo ali que eu não sabia nem que era possível. Aí admiti a possibilidade, mas com o seguinte porém: eu não iria fazer nada com qualquer um só para dizer que eu havia me resolvido. Isso só foi acontecer quando eu tinha 20 anos. Eu me resguardei, na ilusão de que um relacionamento entre homens seria diferente de um relacionamento entre homens e mulheres (risos). E que portanto tudo de bode e chatice desses relacionamentos não existiria. E eu caí na triste realidade de que tudo é igual, homem com mulher, mulher com mulher, homem com homem. É tudo igual. Muita coisa rolaria água abaixo se na verdade todos se revelassem como são. E eu estou falando da favela ao Palácio do Planalto.

As mulheres também suspiravam por você na plateia, não?

Eu tive mulheres, mas sabe que era um incômodo muito grande para o movimento gay quando eu dizia que gostava de mulheres também. Eles diziam que isso não existia. E eu então não sei de que planeta eu sou. Se isso não existe, eu não sou daqui.

Você tem uma filha, não?

Não, não tenho... Há uma hipótese de uma filha, mas eu não... Já fiz testes e deram negativos. Eu tenho dúvidas porque eu não conheci essa pessoa...

Li uma entrevista muito antiga em que você parecia ter mais certeza de que era sua filha...

A "pseudo mãe". Pseudo não, não digo que seja mentira, a provável mãe... Depois que aconteceu essa história, voltei a Mato Grosso. Estava andando pela rua e essa mulher, quando me viu, fugiu de mim. Eu não entendi porque ela fez isso. Minha mãe conta que um dia ela levou essa criança para ela ver e minha mãe quis pegá-la para criar. Mas a moça disse que não tinha levado o bebê para dar, mas para eu saber que existia. E aí desapareceu. E inexplicavelmente ela foge de mim na rua. Então eu não sei, pode ser verdade.

Não tem vontade de conhecer sua provável filha, saber quem ela é?

Não, já tive mas já passou. Assim como já bateu vontade de ter um filho, mas já passou. Não quero colocar um filho neste mundo desvairado em que vivemos, não quero mesmo.

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Exportado do blog: Casa de Fadas
Copiado e colado do site: Sociedade Viva Cazuza

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