1 de nov. de 2013

Pré Flores Raras | Lotta 1

O Aterro do Flamengo, espaço de lazer, esporte e deslumbre visual tal qual conhecemos, poderia ser algo assim, por exemplo, como aqueles canteirinhos safados que dividem as pistas da auto-estrada Grajaú/Jacarepaguá ou a as margens dos rios urbanos de Sampa.  Isso não aconteceu por iniciativa de uma mulher que idealizou transformação dos  7 km de aterro das  margens da  via expressa que ligaria a o Centro à Zona Sul num espaço de lazer que aí está  até hoje. 

Lota Macedo - Maria Carlota Costallat de Macedo Soares, filha do militar Macedo Soares, hoje, nome de escola  em Olaria, foi convida por Carlos Lacerda a trabalhar no projeto do Aterro do Flamengo, sua idéia excelente foi cobiçada pelos burocratas da época, que fingiam desdenhar  e a menosprezavam por   lhe faltar diploma.  Sim,  para os burocratas tacanhos diploma pode significar competência, uma competência que não lhe faltava  na mesma medida que lhe sobrava personalidade e ousadia criativa. 

Entre 1951 e 1965 Lota Macedo  viveu, por 15 anos, assumidamente  com Elizabeth Bishop, sim, aquela mesma dos poemas. Uma Elizabeth Bishop que as amigas de Lota acusavam de arrogante, por confundir  timidez da moça com arrogância. Também faziam pouco dos seus versos que receberam em 1956 o prêmio Pulitzer Prize. Em 1960, muitos de nós ainda não tínhamos nascido e Lota trabalhava no projeto do Parque sem receber nenhuma remuneração (não tinha diploma, lembram?) e Elizabeth Bishop viajava pelo Brasil fazendo reportagens para a Time-Life que resultaram no livro Brazil.


Essa história já contada por Carmem Lúcia Oliveira no livro “Flores Raras e Banalíssimas”, chega aos cinemas em 16 de agosto. Num momento em  que ainda há tantas mulheres disfarçando com baton a sua vontade de dirigir um caminhão, sentindo-se culpada por amar dessa forma e mentindo para si mesmas que não estão se escondendo, apenas tomando cuidado. Acho interessante essa história de amor entre mulheres num tempo em que o preconceito era tão forte que  nem mesmo a posição social elevada  de Lota e seu prestígio junto ao governador do estado da Guanabara, Carlos Lacerda, conseguiam fazer com que fosse olhada com respeito por seus pares de trabalho ou mesmo pelas amigas próximas a falarem mal de sua amante, que logo seria considerada uma das maiores poetas da Literatura Inglesa. 

O filme teve dificuldade para a captação de recursos, e coube ao diretor Fábio Barreto mexer no próprio bolso para viabilizá-lo, pois que os patrocinadores não queriam ligar sua marca à homossexualidade. Segundo ele, o filme que retrata o relacionamento da urbanista e arquiteta autodidata brasileira com a poeta inglesa nos  anos 50/60 “não é um filme de amor gay”, mas um filme sobre a “perda”, o que na minha opinião, como diria minha avó “acaba dando na mesma”.



Bem, Elizabeth teve seu centenário em 2011 comemorado pelo mundo todo enquanto que Lota Macedo não tem sequer uma plaquinha no parque que idealizou e pelo qual trabalhou sem nada receber, coisa para quem pode e para quem real e indefectivelmente ama. Resultado de uma conveniente falta de memória e recorrente ausência de reconhecimento.

 E,  lembrando que o filme Crô, personagem vivido por Marcelo Serrado na novela Fina Estampa, encontra a mesma dificuldade de patrocínio.... É  a mesma velha conhecida hipocrisia que ainda leva algumas conhecidas a formarem casais improváveis com meninos com os quais  jamais transariam, hipocrisia brasileira onde nosso dinheiro serve e sofre o assédio midiático, nossa companhia divertida e arrasta alguma multidão, mas não somos bons o suficiente para sermos levados a sério e recebermos incentivos, muito menos, reconhecimento. 

Toda liberdade e liberalidade brasileira pode estar expressa nas frases da personagem de Antônio Fagundes na novela da 21:00: “Eu não tenho preconceito, mas filho gay, eu não quero!” e  “Entra, volta pro casulo!”

Enquanto alguns já morreram,  tem gente apanhando para garantir o sossego das jovens senhoras que se sentem mocinhas a fingir que penas brincam de casinha com aquela menina com jeitinho esquisito....



AGOSTO – MÊS DA VISIBILIDADE LÉSBICA
Texto publicado na Revista S! em agosto de 2013, coluna Vida Urbana


Texto retirado do blog Arquitextos

A iniciativa de criar um parque na área do Aterro do Flamengo surgiu no governo de Carlos Lacerda quem nomeou, em janeiro de 1961, Maria Carlota de Macedo Soares (Lota), para assessoria do Departamento de Parques da Secretaria Geral de Viação e Obras e a Superintendência de Urbanização e Saneamento (SURSAN), mais especificamente para coordenar o projeto do parque (3).
Um mês após sua nomeação, Lota comunicaria ao governador que o Aterro do Flamengo era “a última grande área no centro da cidade que possibilitava ao seu governo realizar uma obra que reunisse grande utilidade pública e beleza”. Além disso, segundo ela, “a área do aterro, [pedia] um cuidado especial no sentido de preservar sua paisagem privilegiada e a brisa marítima”. E, visionariamente, previa: “Um simples corredor para carros poderá se transformar numa imensa área arborizada e acabará se convertendo num símbolo para a cidade” (4).
Para Lota não se tratava de criar um parque convencional, com fontes, bancos, bustos de celebridades e playgrounds. Em sua idéia de Parque estava implícita a tarefa de contribuir para melhoria da qualidade de vida, conter a ofensiva da especulação imobiliária e possibilitar a reconciliação dos cidadãos com sua cidade.
Apesar do importante trabalho desenvolvido por Burle Marx, que, no entendimento coletivo decanta como mentor do Parque, é necessário lembrar do papel decisivo das três grandes equipes com atribuições justapostas que trabalharam na definição do projeto do Parque.
Uma equipe responsável pelo tráfego e obras (Secretaria Geral de Viação e Obras), outra pela infra-estrutura: (SURSAN) e o Grupo de Trabalho criado pelo decreto estadual nº 607, de 4/10/1961, presidido por Maria Carlota de Macedo Soares. Este Grupo, segundo Enaldo Cravo Peixoto (5), era formado pelos seguintes profissionais: Affonso Eduardo Reidy, Jorge Machado Moreira Sérgio Bernardes, Hélio Mamede, Maria Hanna Siedlikowski, Juan Derlis Scarpellini Ortega e Carlos Werneck de Carvalho (arquitetos); Berta Leitchic (engenheira), Luiz Emygdio de Mello Filho (botânico), Magú Costa Ribeiro e Flávio de Britto Pereira (assessoria em botânica); Ethel Bauzer Medeiros (especialista em recreação), Alexandre Wollner (programação visual), Roberto Burle Marx e Arquitetos Associados: Fernando Tábora, John Stoddart, Julio César Pessolani e Mauricio Monte (paisagistas), Sérgio Rodrigues e Silva e Mário Ferreira Sophia (desenhistas), Fernanda Abrantes Pinheiro (secretária), Ressalta-se também a importância dos trabalhos do Laboratório de Hidráulica de Lisboa (estudos hidráulicos), de Richard Kelly (iluminação) e do urbanista Helio Modesto, que segundo Bertha Leitchik, “não era membro do grupo propriamente dito, porém, fazia a ligação entre o grupo e o restante da administração estadual” (6).

A complexidade da área onde se instalaria o parque derivava do fato de ser o único enlace direto entre a zona sul e o centro do Rio. O grande desafio era, portanto, o de conceber um parque como parte de um circuito que organizasse o trânsito de veículos entre a zona sul e o centro sem que perdesse sua identidade como parque. Além disso, segundo Lota, “duas das onze pistas previstas já haviam sido implementadas, cortando o aterro ao meio criando grandes problemas para sua urbanização, não somente pelo lado estético como pelo lado utilitário, no relativo ao aproveitamento das áreas e à forçada travessia dos pedestres pelas pistas de alta velocidade” (7).http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/07.079/288

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