4 de out. de 2017

O RISCO DO QUE É INESQUECÍVEL

No carnaval de 1964 eu não havia nascido mas eu sei que "Aquarela Brasileira" de Silas de Oliveira do Império Serrano tido como um dos 3 melhores sambas de enredo de todos os tempos  não atingiu a nota máxima, perdendo 2 pontos na avaliação do julgador do quesito letra. Teve nota máxima no quesito melodia. Jornalistas publicaram sua indignação em veículos de grande expressão na época como a revista Manchete, Jornal Última Hora e O Globo. Lideranças de outras escolas de samba manifestaram-se contra o absurdo da falta de sensibilidade de um jurado especializado que não sabia reconhecer uma obra-prima. Silas de Oliveira ainda era pouco conhecido, não tinha o nome na mídia e o Império Serrano ficou, se não me falha a memória do que eu não vivi, com um quarto lugar muito desmerecido.

Em 2004, eu não só já tinha nascido, como presenciei a reedição do samba que fazia como eu, 40 anos. A LIESA comemorava 20 anos de fundação e o Sambódromo completava seu vigésimo carnaval,  permitindo que a escola da Serrinha reeditasse o samba de Silas que Martinho da Vila colocou à luz da mídia quando o gravou no seu LP Maravilha de Cenário 29 anos antes.

Eu não só me empolguei com a possibilidade de estar na avenida ao som desse hino brasileiro como fiquei louca de alegria ao ver que o Império Serrano apresentava ali um formato de desfile  como era lá antigamente. Sem as filas ao estilo militar, componentes soltos, átomos de alegria, energia e emoção disparados por toda a Sapucaí que eu nunca vi cantar tanto um samba como daquela vez e ainda com coreografia de braços elevados e mãos indicando "este céu azul de anil, emolduram em aquarela meu Brasil"...

Daí, que foi feita a justiça ao samba-letra-e-melodia de Silas mas ficou  faltando emoção, compreensão nas notas à Serrinha que não voltou nas campeãs amargando um nono lugar. Se tem uma escola que é diferente das outras é o Império Serrano. Ela tem jeito de povo, garra de povo, sua história é costurada pela garra, determinação comuns às gentes do povo. Nos desfiles mais recentes, no Acesso, lá, antes da Sapucaí fazer a curva, eu olhava as arquibancadas vazias e me dava um frio no estômago. Como assim, o Império vai passar com tão pouca gente pra ver? Gente de fora, agarrada nas grades, berravam na minha orelha:
- Canta, porra! Isso é império serrano
- Vai Império!
- Eu amo o Império!
- Minha escola
- Sou escola X mas adoro o Império!
E por aí, ia.
Quando finalmente eu botava a cara na entrada do Setor 1, as lágrimas desciam e o sorriso brotava abundante, as arquibancadas estavam cheias de gente pra curtir a escola da Serrinha. Ah, isso é  mais inesquecível que qualquer foto que tenha saído em algum site, revista ou jornal!

Aquele povo vestido com simplicidade, lata de cerveja na mão a gritar Impéééério, os que ficam na "arquibancada do fedor", os que transitam à margem do sambódromo nas barracas e botecos que nos cumprimentam quando saímos da Avenida e perguntam como foi o desfile ou simplesmente dizem que foi maravilhoso. Esse povo que se junta à frente das TVs com recepção péssima de imagens de uma transmissão duvidosa, comentários aleatórios de profissionais que não conhecem o riscado, cortesia dos barraqueiros e condescendência da Casa Grande para a Senzala, é muito, em parte, boa parte do povo que só tem direito a isso mesmo da nossa cultura que é deles, isso e poder assistir aos ensaios técnicos gratuitos porque o desfile há muito tem preços para eles inacessíveis.

NÃO ROUBEM DO POVO O DIREITO DE VER SUAS ESCOLAS! ENSAIO TÉCNICO JÁ!

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Fique à vontade pra dar sua opinião.